sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Lambe-lambe

Uma evocação ao passado. A figura do fotógrafo de rua, também conhecido com lambe-lambe, traz à mente a idéia de uma vida algo ingênua e romântica nas cidades. Imagina-se sempre homens de terno e chapéu, acompanhados por suas senhoras e filhos, ajeitando o nó da gravata para a foto. Não há espaço neste quadro para a velocidade, a urgência e o descaso dos dias atuais. Tirar um retrato - sim, os lambe-lambe eram fundamentalmente retratistas - era uma espécie de evento pessoal e familiar.

Testemunhas de uma época

Tipos comuns nas primeiras seis décadas do século XX, nas praças, os fotógrafos lambe-lambe orgulhavam-se em dizer a marca da lente que usavam. Era a essência do negócio. Uma pesquisa feita por FRÓES, LEONARDO "Os lambe-lambe" – in Coisas Nossas Rio de janeiro, RJ/MEC/FUNARTE, 1978, revela que quem criou os chamados fotógrafos de jardim, “photographo de português” foi o rei. Em 17 de maio de 1911, a revista Fon-Fon publicava o anuncio: “Trabalhe por Sua Conta, que uma empresa de Nova York EUA anunciava prometendo lucros grandes e certos. Era o tempo em que o fotógrafo ambulante tinha status. Os anúncios exibiam ao lado da maravilhosa “machina photographica” um sujeito elegantemente vestido de terno, gravata e chapéu de feltro.

Origem do termo “lambe-lambe”

Existem algumas explicações para a origem do termo: lambia-se a placa de vidro para saber qual era o lado da emulsão ou se lambia a chapa para fixá-la. Ou a origem pode estar ligada ao antigo processo da fotografia.


O último lambe-lambe

O texto a seguir foi escrito por Ricardo Chaves, o "Kadão", chefe da Fotografia do jornal Zero Hora e traduz perfeitamente o sentimento de quem chegouu a conviver com estas típicas figuras das ruas das cidades. Fala sobre a aposentadoria do último lambe-lambe de Porto Alegre (que na prática não chegou a se consumar, uma vez que ainda pode ser encontrado aos fins de semana no tradicional brique do Parque Farroupilha, ou em eventos como a Feira do Livro, que ocorre nos meses de outubro/novembro na praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre. As fotos que seguem são minhas, feitas durante a Feira do Livro de 2010.
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Do último lambe-lambe ninguém vai esquecer

Nestes tempos de imagens digitais vistas na tela do computador, já estamos quase esquecidos do prazer, além de visual, tátil, de ter uma foto de papel em nossa mão. Uma foto, antigamente, era um objeto e era tratada como tal.
Algumas, muito especiais, ganhavam dedicatórias, e eram presenteadas em demonstração eloquente de amor ou amizade. Se fotos em papel são cada vez mais raras, isso não significa que o papel da fotografia tem sido menos importante. Ao contrário.
Cada vez mais as pessoas fazem um número maior de fotografias. Agora todos são fotógrafos, e todo mundo fotografa o tempo todo. Com telefones celulares e câmeras digitais singelas ou sofisticadas, o importante é registrar tudo. E tudo é registrado. E, mesmo que não seja impresso, é, em seguida, “anexado”, “postado”, “enviado”. Se a fotografia continua prestigiada, o papel do fotógrafo já não conta com a solenidade dos velhos tempos.
Claro que, quando se exige qualidade e precisão, ainda vamos em busca de um profissional qualificado, alguém especializado, e capaz. O que não existe mais é aquele mistério do alquimista, a magia de transformar, na penumbra e às escondidas, o latente em real. Com a invenção da fotografia, os fotógrafos estrearam sua condição de protagonistas. Sua presença e movimentação sempre foram tão toleradas quanto inconvenientes, mas, afinal são criaturas a serviço da memória, e têm de fazer seu trabalho aqui e agora. Quem mais pode subir ao altar da igreja, num casamento, não sendo noivo, padrinho ou padre? A imediata identificação do equipamento justifica sua participação. O fotógrafo está ali como símbolo. Varceli Freitas Filho é um símbolo. Ele é o último lambe-lambe de Porto Alegre.
Merece a aposentadoria especial concedida a cidadãos importantes para à cidade, pleiteada pelo prefeito em exercício aos vereadores nesta semana. Ele tem 55 anos e aos 12 já esfregava a mão molhada nas fotos imersas num balde d’água sob o tripé da máquina fotográfica operada pelo pai, morto em 1999, e que, por 58 anos, trabalhou, fazendo retratos diante do Chalé da Praça XV.
Varceli Filho herdou de Varceli pai mais do que uma câmera, um ofício. Feliz com a possibilidade de a iniciativa resultar em um apoio concreto, ele se diz reconhecido e estimulado a continuar representando seu papel e comparecendo ao Brique da Redenção aos domingos, ou, eventualmente, ao Chalé, Feira do Livro, ou a qualquer evento que tenha a ver com a vida da cidade.
O benefício equivaleria a uma espécie de tombamento, e nada mais justo do que a preservação da imagem do que ele representa.
Ao vê-lo em pé, ao lado da câmera, com seu boné e sua gravatinha borboleta, somos remetidos a outros tempos, evocamos outra época e uma cidade muito diferente da atual, cujo único testemunho são alguns prédios e poucas pessoas, como Varceli, dispostas a manter as coisas como elas eram. Pode ser um simples papel, mas suficientemente importante.

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